No organograma entre o diretor de TI "Ray Walton" e seu CIO, está o vice-presidente de TI, alguém que ele considera perigoso.
Por quê? Porque aquele vice-presidente veio do setor de finanças. Ele não é técnico e, pior ainda, mantém uma mentalidade financeira. "Na mente dele, tudo no mundo da tecnologia pode ser reduzido a dólares e tempo", diz Walton, que, para proteger seu emprego, pediu que seu verdadeiro nome não fosse utilizado.
Walton diz com certa raiva que essa atitude de "primeiro vem as finanças" só funciona quando tudo é uma mercadoria, o que ainda não é uma verdade no mundo da tecnologia. "Ainda é uma arte determinar os riscos e recompensas na área de TI. Se você olhar apenas para o retorno dos investimentos (ROI), nunca construirá uma rede, devido a sua infraestrutura. Pois não há retorno".
Mas devido ao fato de que esse vice-presidente não compreende a tecnologia, e na visão de Walton não consegue interagir com os engenheiros de software ou redes de forma inteligente, ele descarta esses argumentos. "Ele é um líder de TI, mas não compreende tecnologia. Isto é algo que ele não leva em consideração no momento de tomar suas decisões".
Este não é o primeiro caso do ano ou uma ocorrência isolada. Walton trabalha para uma empresa Fortune 500, um nome familiar e, de fato, a situação que ele encara é parte de uma tendência crescente.
Apesar de que seja difícil encontrar estatísticas recentes, um relatório da Forrester Research de 2005 detectou que 39% dos CIOs em grandes empresas não estão vindo da área de TI. Este número é corroborado por uma onda de evidência anedótica de consultores e de observadores da indústria – incluindo Jack Cullen da empresa Modis, de recursos humanos de TI, Suzanne Fairlie, da empresa de busca de executivos ProSearch Inc., e o analista Bobby Camerom, da Forrester – que concordou que mais companhias estão levando empresários para o papel de CIO vindos de outras áreas de dentro da organização.
Não obstante aos fortes sentimentos de técnicos como Walton, esses observadores dizem que o problema não é se é certo ou errado contratar CIOs que não são técnicos, mas sim como você faz um CIO que não é técnico dar certo. Afinal, existem formas pelas quais CIOs que não são técnicos podem fazer uma empresa tropeçar, e formas de fazê-la progredir.
Ao passo que a tecnologia se torna inexoravelmente tecida dentro de todos os campos onde esse tipo de negócio atual, é crucial ter alguém agindo como "uma camada de tradução" entre os dois lados, dizem as fontes. Seja essa pessoa um CIO sem experiência técnica, mas que pode articular o valor da TI, ou um gerente de TI que obteve tino comercial em sua jornada. É necessário existir alguém que saiba as questões corretas, que saiba como preencher a lacuna entre os negócios e a tecnologia e, o mais importante de tudo, que tenha ciência dos limites de seu conhecimento.
"Na emergente organização de TI, os CIOs estão prestando atenção mais frequentemente em problemas relacionados à estratégia comercial e em como a tecnologia pode possibilitar isso", diz Cameron. "É necessário criar uma mudança cultural e assim seguir para um novo mudo".
A forma errada para o CIO que não é técnico
Ao falar sobre CIOs que não possuem experiência técnica e das pessoas que reportam a ele, duas escolas de pensamento emergem. Uma escola acredita que os CIOs que não são técnicos trazem um maior conhecimento às necessidades comerciais. A outra acredita que, de forma a liderar a TI, você precisa ter vindo da TI.
"Existe uma diferença entre compreender de forma intelectual e conhecer por experiência", diz Dan Gielan, que, em sua qualidade de consultor de TI residente em Los Angeles, diz que já viu o cenário oposto muitas vezes – o cenário de CIOs sem conhecimento. "Se você já experimentou [uma tecnologia], você sabe o quão complicado ou o quão simples ela é".
Gielan diz que já encontrou o que considera muitos na área de TI que nunca programaram um software, mas que ainda assim precisam tomar as decisões sobre os projetos de software. "Isso não é bom". O mesmo conceito se aplica sobre ter algumas aptidões na administração de redes ou de sistemas, opina ele.
Um dos efeitos colaterais exacerbados desta situação é a percebida simplificação da TI, dizem os críticos. Aparentemente, qualquer um que tenha ido comprar um computador em uma loja pensa que entende de tecnologia. Os leigos não compreendem as razões de um disco rígido custar mais quando ele é instalado em um SAN do que quando ele é instalado em seu revendedor local, lamenta Walton. Eles acham que sabem programar apenas pelo fato de terem criado macros no Excel ou por saberem HTML. Eles não sabem programar, insiste ele.
Peter Connoly é o diretor de TI da KP Direction, uma empresa de desenvolvimento Web de Syracuse, Utah. No inicio de sua carreira, nos anos 90, ele foi contratado para ser um gerente de TI em uma grande agência de propaganda onde o diretor de finanças tinha também se tornado o gerente de TI antes de Connolly assumir o cargo. O predecessor de Connolly, um interessado em computadores, podia compreender a computação pessoal, mas não o comércio da computação – ele era, diz Connolly, alguém que "não sabia o que não sabia".
"Quando eu comecei a trabalhar lá", lembra Connolly, "a rede era tão lenta que os funcionários preferiam levar os discos contendo dados subindo por três lances de escadas. A agência tinha três ambientes, mas o meu predecessor não compreendia porque eles precisavam ser interligados em uma única rede. Se estivesse fora da zona de conforto dele, ele ignorava".
"Mesmo após eu ter substituído ele", continua Connolly, "ele ainda queria ter a decisão final em tudo, pois eu reportava a ele em seu novo cargo como o gerente de operações. E mesmo após o presidente ter dito para ele que ele não poderia fazer o trabalho dele e o meu, ele continuava a fazê-lo".
Frustrado, Connolly requisitou ao escritório de apropriação cópias de publicações de informática, destacando as referências às tecnologias que ele julgava que a agência precisava, colocando-as na mesa de seu chefe. "Pelo fato de serem cópias do escritório, ele nunca soube se eu tinha feito os destaques ou se o chefe da agência os havia feito".
Cameron, da Forrester, nota que ele já foi chamado várias vezes para ser uma espécie de juiz nos momentos em que a comunicação é inexistente, algo que pode ocorrer quando um empresário sem experiência em TI não confia naqueles que conhecem tecnologia, ou quando o mesmo teme que eles chamem o CIO. Isso pode criar um círculo vicioso onde a falta de comunicação acaba por atrasar a TI – e isso pode custar caro, diz Cameron, caso o negócio precise trazer consultoria e empresas de análise de fora para decidir sua estratégia TI.
A forma correta para o CIO que não é técnico
Em contraste, CIOs que trabalham bem e que não são técnicos apreciam seus funcionários tecnologicamente experientes, dizem os defensores. Esses são lideres que têm consciência do que não sabem. São bons em perguntar as questões corretas, buscando por conhecimentos mais profundos, refazendo assim as respostas de forma que o lado comercial compreenda.
"Eu sei como perguntar o que chamo de "questão tola’", diz Mark Bramwell, chefe de TI da Wellcome Trust, uma fundação global de caridade focada na pesquisa biomédica em Londres. "Eu posso perguntar o que aconteceu, por que aconteceu, e como vamos evitar que aconteça novamente".
Cameron da Forrester, um forte defensor do modelo CIO centrado nos negócios, nota que, "CIOs não deviam se preocupar em serem ágeis nadando contra a corrente. Devem escolher o que funciona melhor para alcançar os resultados necessários comercialmente, e essa decisão deve ser tomada por alguém com conhecimentos mais profundos da estrutura de desenvolvimento".
Cameron reconhece que em organizações menores de TI, é claro, o CIO realmente precisa ter a credibilidade técnica e o conhecimento de causa. Mas ao passo que a empresa cresce, também é necessário que o CIO opte pelo lado dos negócios em vez de apenas tecnológico, diz ele.
Ao mesmo tempo, CIOs sem conhecimento técnico não devem deixar ser enganados pelos técnicos. "A TI às vezes se esconde por trás do jargão", diz Bramwell. "Minha equipe pode falar utilizando termos técnicos, mas eu os indago para garantir que compreendi o que disseram".
Se um de seus funcionários está falando sobre as razões da necessidade de servidores em cluster, por exemplo, Bramwell reserva um tempo para destrinchar uma razão comercial para isso – neste caso, para equilibrar as cargas e possibilitar um melhor desempenho. "Você precisa tirar o jargão de cena e tornar as coisas mais claras e concisas" para a equipe comercial, diz ele.
Além disso, o CIO que não tem experiência técnica precisa ensinar seus funcionários que o trabalho deles é proteger o negócio, não aderir de forma teimosa à tecnologia simplesmente pela tecnologia. "Eu digo para o meu pessoal que eles são as autoridades nas áreas de armazenamento e rede. Eu tento capacitá-los a focarem-se no beneficio comercial e assim levarem o negócio para frente".
Com sorte, Connolly, o líder da agência de propagandas, foi capaz de experimentar um encontro positivo com um CIO que não era técnico para contrabalancear seu encontro anterior. Quando seu chefe intrometido foi transferido para o setor de operações, outro diretor de finanças foi contratado, para quem Connolly teria de reportar e com quem ele teria que trabalhar de perto. A primeira coisa que ela reconheceu foi o fato de que não entendia nada de TI, mas que ela não precisaria entender contanto que Connolly entendesse.
Terminou por ser um ótimo relacionamento, diz Connolly. O par iniciou com o plano de negócios e o utilizou para criar uma estratégia de TI. "Ela confiava em mim, pois sabia que eu entendia da área de TI. Se eu dissesse que nós precisávamos absolutamente de algo para fazer a transição para uma agência digital, ela dizia que iria conseguir o dinheiro. Era um esforço em equipe com muito respeito mútuo".
O que é necessário: um tradutor
Por fim, a questão se o CIO deve ter experiência técnica ou não é algo discutível, concordam as fontes. Não importam suas experiências prévias, CIOs têm de funcionar como uma "camada de tradução" entre a TI e os negócios. Isso significa que um dos dois terá de possuir essas habilidades de tradução – ex: caso tenha vindo da TI – ou, se vindo dos negócios, seja capaz de extrair de sua equipe o conhecimento que precisa caso tenha vindo do lado dos negócios.
Esse conceito se aplica as duas possiblidades, diz Walton. "Se você não é um CIO com experiência técnica, você precisa se rodear de bons tecnólogos. Se você possuir experiência com TI, você precisa se rodear de pessoas que têm experiência em negócios".
"Minha carreira tem sido baseada em ter o foco no cliente e agir como uma ponte e um tradutor para a TI, em vez de ter o conhecimento técnico. Em retorno, posso interpretar o que eles dizem em palavras de uma silaba", contribui Bramwell. Em outras palavras: Ele não consegue configurar um servidor, mas ele também não precisa fazê-lo – ele apenas precisa ter pessoas ao redor dele que possam fazer isso.
Além disso, Bramwell acredita que todo o departamento de TI deve possuir a capacidade de entender um pouco sobre negócios. "Busco pessoas que compreendem o que um bom serviço ao cliente significa. Não importa se é o desenvolvimento de aplicativos ou a aquisição dos mesmos. Busco por pessoas da área de TI que possam ter um diálogo com o cliente, que possam representar a TI de forma eloquente e que assumam a propriedade pessoal de entrega em vez de promessas".
Apesar da necessidade de especialização técnica, essas suaves habilidades podem ser ainda mais importantes no futuro. "Se alguém precisa de habilidades técnicas, você pode enviá-lo a treinamentos. Pois encontrar alguém com essas habilidades é mais difícil", diz Bramwell.
Cameron concorda, enfatizando que o esse tipo de comportamento vem de cima. Se os CIOs não conseguem compreender as necessidades comerciais e nem conseguem traduzi-las em habilidades técnicas explicando as razões de essas habilidades técnicas corresponderem à estratégia comercial, ninguém sai ganhando. "Ainda existe uma grande lacuna entre a TI e os negócios, e precisamos de mais CIOs com experiência em negócios, e não menos".
FONTE: CIO UOL