Começo e final de ano é comum se deparar com diversos balanços sobre quais tecnologias morreram comercialmente ou se mostraram menos necessárias nos últimos 365 dias.
Sempre tenho um pé atrás com esse tipo de análise.
É o típico diagnóstico que rende muitos cliques, mas pouco informa. Não informa por que ele passa por cima de dois processos importantes para entender o sucesso e a evolução de uma tecnologia.
O primeiro é o de “especiação de tecnologias“. Semelhante ao desenvolvimento biológico – em que uma espécie sofre um rápido crescimento e desenvolve novas características no momento em que é transplantada para um novo ambiente -, uma tecnologia quando retirada de seu domínio inicial de aplicação e colocada em outro, pode adquirir novas características, e até impensadas.
A tecnologia de “realidade aumentada” parece ser desnecessária e comercialmente morta na área de marketing? De repente, quando transplantada para a de medicina, ela adquira novas características e a perceptibilidade da tecnologia venha ser diferente.
O exemplo mais conhecido desse processo de “especiação de tecnologias” é a própria internet. A internet é resultado de uma evolução gradual. Seu desenvolvimento derivou do estado de conhecimentos anteriores. Revolucionário e radical mesmo foi o processo de retirá-la de seu campo de aplicação inicial.
Graças a Tim Berners-Lee, Marc Andreesen, Jeff Bezos e outros pioneiros da web, ela saiu do meio militar e acadêmico e foi para a esfera civil e comercial.
Se a internet tivesse ficado exclusivamente no ambiente acadêmico e militar, os seus efeitos, as suas características e perceptibilidade seriam bem diferentes das que conhecemos hoje em dia.
Outro exemplo. A tecnologia de segunda tela surgiu na área dos games eletrônicos, nos anos 90, com o console Dreamcast. Não fez sucesso. Foi considerado um conceito inexpressivo. Voltou com tudo em 2011 na junção entre tablets e aparelhos e TV. Adquiriu novas características. E, em 2012, talvez retorne outra vez à esfera inicial, na área de games, com o lançamento do Wii U, o vídeo-game de duas telas da Nintendo.
O segundo processo é bem atual. Nós o conhecemos muito bem, pois envolve países emergentes, como o Brasil.
É comum lermos e ouvirmos sobre “inovação reversa” – inovação que surge primeiro nos países emergentes e que depois é exportada para os países desenvolvidos. Contudo, existe uma dinâmica de igual importância – tecnologias que são consideradas “imaturas” ou “de adoção lenta” no topo da pirâmide estão alcançando fácil e rápida aplicação em sua base, nas nações emergentes.
Devido à cultura oral e ao analfabetismo, tecnologias de identificação por biometria e de interfaces controladas por voz, por exemplo, estão encontrando terreno fértil nos países emergentes. Bolívia, México e Índia estão à frente da adoção rápida destes tipos de tecnologia.
Quer um exemplo histórico? O celular. É o que melhor mostra que algumas tecnologias do topo da pirâmide podem ter uma rápida adoção nos países emergentes.
Diferente dos países desenvolvidos – onde a tecnologia móvel era vista bem no início como desnecessária – nos países emergentes, ela teve uma rápida adoção. Em algumas regiões, foi a tecnologia mais rapidamente adotada, superando a eletricidade.
O principal motivador dessa veloz aceitação foi o fato de que, nos emergentes, utilizar celulares não era opção, mas obrigação. Diversas regiões eram consideradas “media dark”. Ou seja, não tinham qualquer acesso a sinais de TV, telefone ou rádio. Adotava-se a tecnologia móvel ou ficaria sem qualquer tipo de comunicação.
O mesmo aconteceu com a tecnologia de internet sem fio. Migrar para a tecnologia sem fio foi fácil para quem nunca teve qualquer tipo de conexão, como as áreas rurais da Índia e China.
Nos países desenvolvidos, onde havia uma tradição e onipresença de linhas fixas a adoção foi bem mais lenta. A priori, a tecnologia sem fio era vista como desnecessária, não-urgente, e havia um certo “custo de troca” em adotá-la.
Todo cuidado é pouco quando deparamos com a análise de uma tecnologia. De repente, fora de seu campo inicial de aplicação, uma tecnologia pode adquirir novas características e se tornar radical e revolucionária. Nos emergentes, ela pode ter uma adoção meteórica.
Nenhuma tecnologia é inexpressiva ou está morta até que realmente se prove o contrário.
FONTE: Tiago Dória WEBLOG