Uma canja de letrinhas que formam Sopa, Pipa, Acta, assomada a informações desencontradas, sobre Megauploads, Anonymous atacando bancos brasileiros e outros serviços de P2P, causa uma confusão sem fim na cabeça do internauta, que quer entender, de uma vez por todas, em que pé está essa discussão sobre a liberdade, ou censura, da web.
No dia 24 de janeiro, foi realizado um debate com profissionais de direito digital para comentar os casos que assustavam – e ainda assustam – leitores e para sanar algumas das dúvidas apresentadas. E o aviso: a única coisa que o fechamento do Megaupload e a Sopa/Pipa têm em comum é o fato de terem estourado na mesma semana.
Então, segue o guia abaixo, elaborado com a ajuda dos participantes da discussão: José Milagre, sênior digital forensics examiner na LegalTECH; Luis Massoco, ex-presidente da Comissão de Direito na Sociedade da Informação da OAB/SP e professor de diversas instituições de ensino superior; Rony Vainzof, sócio do Opice Blum Advogados Associados; e Victor Haikal, sócio do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados; e Emerson Alvarez Predolim, membro da Comissão de Crimes de Alta Tecnologia. (amigos, avisem, por favor, se eu entendi algo errado do juridiquês!)
- SOPA E PIPA: A Stop Online Piracy Act (Sopa) e a Protect IP Act (Pipa), que, em português, nos lembram refeição e brincadeira, são projetos de lei que tramitam no Congresso norte-americano e que visam a reduzir as perdas que o país tem com a pirataria. Segundo políticos, os EUA perdem, anualmente, US$ 500 milhões com o problema – e é um dinheiro que, em momentos de crise como de agora, não pode ser desperdiçado. Como funciona hoje: a legislação norte-americana que trata do tema é a Digital Millennium Copyright Act, conhecida coma DMCA (em português, Lei dos Direitos Autorais do Milênio Digital). Segundo a norma, o meio – a plataforma – não pode ser condenado pelo mau uso de seus clientes. Por outro lado, se ela for avisada de que determinado conteúdo é ilegal e não tomar nenhuma atitude, ela será corresponsável e, então, terá de responder pelo conteúdo.
O que muda, então?: Neste caso, o que muda é que, pela Sopa e Pipa, o provedor de conteúdo tem de verificar antes da publicação se determinado material infringe os direitos de autoria e propriedade. A dificuldade, neste processo, é dar conta do volume de conteúdos que são postados na plataforma. Tal processo tornaria a prestação de serviços economicamente inviável. Além disso, a pena para infração seria mais severa: “Pelas leis, se eu postar um vídeo do Michael Jackson no Facebook, fico mais tempo preso do que o médico responsável por sua morte: cinco anos, contra quatro”, explicou Massoco. Vainzof pontua que por meio de ordem não-judiciais, que seriam dadas pelo procurador geral de Justiça, servidores considerados suspeitos poderiam ser retirados do ar. “Poderia fechar sites de internet, cortar links patrocinados, a vinda de benefícios econômicos, tudo isso para combater a pirataria. O que não é adequado: você combater o intermediário, não o usuário final. Isso é censura prévia”, explicou.
Por que afeta o Brasil e a internet no resto do mundo: para quem tem servidores nos Estados Unidos, o impacto é direto, porque é necessário seguir as leis do país no qual está hospedado. Para a internet como um todo, o problema é o efeito em cascata. “Dependemos da espinha dorsal da internet dos EUA”, ponderou Milagre. A retirada de conteúdos do ar afeta diretamente o Brasil, já que o internauta brasileiro não terá acesso ao material, mesmo não tendo nada a ver com o peixe ianque.
Em que pé está: depois das manifestações do dia 18 de janeiro de 2012, pelas quais diversos sites da internet, entre eles Google, Wikipedia e WordPress,retiraram conteúdo do ar ou demonstraram repúdio às leis, elas foram arquivadas. Podem voltar à votação, mas muitos especialistas acreditam que não há mais clima político para sua aprovação. Se Sopa e Pipa estão engavetadas,então, não têm efeito legal. Por isso que nada têm a ver com o…
- FECHAMENTO DO MEGAUPLOAD. Para reforçar: além de terem ocorrido na mesma semana, não há nada relacionado entre a retirada do ar do Megaupload e a Sopa e a Pipa, que, por serem projetos de lei, não têm efeito legal.
O que aconteceu: o FBI investigou a empresa por dois anos. Nessa apuração, identificou que os dirigentes, liderados pelo fundador da plataforma, Kim Dotcom, haviam ganhado mais de US$ 175 milhões de forma ilegal. O caso foi chamado de “Megaconspiração” e, segundo consta nas investigações, havia claro conhecimento, por parte dos envolvidos, de que as práticas desrespeitavam as normas de Copyright.
Por que causou tanta comoção:
1. Os suspeitos estavam na Nova Zelândia, país que nada tem a ver com a jurisdição dos Estados Unidos, mas mesmo assim o FBI conseguiu que a polícia de lá o ajudasse e prendesse o grupo, sem qualquer decisão judicial para embasar o processo. Como advogados brasileiros não tiveram acesso aos autos, não conseguem entender a fundo a questão, se havia algum pedido de prisão preventiva ou outra decisão em embasasse a ajuda.
2. O Megaupload não era somente uma plataforma de conteúdo pirata – muitos autores depositavam no ambiente obras de sua autoria, e usavam a plataforma como meio de divulgação e para ganhar dinheiro. Contudo, todos foram penalizados pelo ato de alguns.
3. O site foi tirado do ar antes que houvesse uma decisão judicial determinando isso, o que preocupa por ser uma censura prévia, além de anomalia jurídica. Além disso, não foi dado um prazo para que as pessoas que inseriram os arquivos no ambiente os recuperassem.
As outras plataformas P2P estão em risco?: sim e não. Sim porque os Estados Unidos mostraram estar de olho nesse tipo de negócio e indicam reforçar a briga contra a pirataria. Não porque a lei norte-americana DMCA (citada lá em cima) determina que os servidores não podem ser penalizados pelo conteúdo depositado por seus usuários – a não ser que tenham sido notificados do problema e não tomem nenhuma atitude. O caso Megaupload parece ser isolado, por ter sido identificada uma tendência de tentativa de ganho financeiro com a obra alheia. Não sendo essa a situação das demais plataformas de compartilhamento, não haveria nada a se temer.
- E ESSA TAL DE ACTA?: no meio desse caldeirão de emoções, ressurge a Acta, que é a sigla de Anti-Counterfeiting Trade Agreement (algo como Acordo de Comércio Anti-Contrafação). Ressurge porque este acordo que busca uma escala mundial – veja bem, mundial – de acordos comerciais que impeçam a pirataria e garantam o direito à autoria. O documento é datado de outubro de 2011 e já foi assinado por países como Finlândia, França, Irlanda, Itália, Portugal, Romênia e Grécia. Outros países, incluindo Estados Unidos, Canadá e Coreia do Sul. Mais recentemente, agora em janeiro de 2011, foi a vez da Polônia entrar para o grupo.
O que a web tem a ver com isso? A regulação do tráfego de informações pela internet é apenas uma parte do documento, que conta com 22 páginas. A ideia é que os países colaborem uns com os outros na concessão de informações de usuários que se valham de conteúdo protegido por copyright na web. “Esses procedimentos devem ser implementados como forma que evite a criação de barreiras para atividades legítimas, inluindo comércio eletrônico, e, condizente com a lei, preserve princípios fundamentais, tais como liberdade de expressão, processos jutos e privacidade”.
Como afeta o Brasil: o Brasil não assinou nada ainda. Mesmo assim, o efeito cascata da web é o mesmo da Sopa e da Pipa.
-E NO BRASIL, COMO FUNCIONA?. Vamos por partes. Pirataria, primeiramente, é qualquer violação de direitos autorais. Contrafação, por sua vez, é a reprodução não autorizada de obras. “No Brasil, está previsto em nossa Constituição, Artigo 5º., inciso 27: aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras”, explicou Vainzof. A lei que regulamenta esse Artigo 5º. é a Lei de Direitos Autorais, de número 9610 e datada de 1998. Ela prevê a proteção de qualquer obra, expressa por qualquer meio, fixada em qualquer suporte, seja tangível ou intangível – agregando, portanto, o ambiente web. No Artigo 184 do Código Penal, por sua vez, também há determinações que especificam as penas para violação de direitos do autor: de três meses a um ano de detenção ou de 2 anos a quatro anos de reclusão, no caso de haver claro objetivo de lucro direto ou indireto com a prática.
Creative Commons: “Temos algumas exceções em relação aos direitos autorais, mas em razão da evolução da internet não abre margem para muita coisa. Por isso que cresce o Creative Commons, licença criativa da internet que apresenta, na própria obra, se há autorização ou não de reprodução”, esclareceu Vainzof.
E como ficam os servidores?: Sobre isso não há legislação específica, porém, existe uma “farta” jurisprudência, inclusive com posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que não deve haver monitoramento prévio de conteúdo por parte dos servidores. O provedor responderia civelmente – e não criminalmente – a partir do momento que fosse avisado de que abrigaria um conteúdo ilegal.
- E ONDE ENTRAM OS ANONYMOUS NO MEIO DISSO? Depois que os dirigentes do Megaupload foram presos e os conteúdos foram retirados do ar, o grupo de hackers Anonymous promoveu centenas de boicotes a sites de governos para reivindicar os direitos de liberdade na web. Nesta semana, o braço do grupo no Brasil promove ataques a sites de bancos brasileiros com o intuito de tentar acabar com a corrupção no País.
Estamos passando, com toda a certeza, por um momento de histeria na web. O medo de perder a liberdade, o uso da rede para todo e qualquer tipo de manifestação e o problema e prejuízos causados pela pirataria estão eclodindo e pipocando por aí. Quem sabe não é um momento importantíssimo par o tão sonhado amadurecimento da rede?
FONTE: IT WEB