Se você tem trinta e poucos anos, deve se lembrar de Enduro, Pitffal, Pac Man e, principalmente, Decathlon – o destruidor de joysticks. Eram os tempos em que um Atari e um grupo de amigos para contarmos e disputarmos nossos pontos eram o suficiente. As dicas de jogos que se espalhavam pela comunidade – a rede social off-line.
Foi um período que marcou muitos de nós em todo o mundo. A época do Atari passou, mas a dos jogos, não. A indústria de games fatura mais do que a indústria de cinema, já há um bom tempo. O público-alvo dos games elevou sua faixa etária ao longo dos últimos anos. Adultos e pós-adolescentes povoam os compradores de jogos, seja on-line – como os famosos MMORPG (Massively Multiplayer Online Role-Playing Game) – ou os jogos de consoles como Nintendo Wii ou Play Station 3.
Se você se lembra bem da sua época de gamer, o que mais escutava era “esse menino é viciado nesse jogo”, ou a sua mãe gritando algo do tipo: “Carlos Alberto, eu já falei para você largar esse joguinho e vir logo jantar”. Chamar o nome todo é uma técnica utilizada por mães do mundo todo e sempre deu certo para dar o tom de seriedade quando somos crianças.
Esse estado imerso na realidade do jogo em que o mundo real se torna irrelevante é chamado “estado de fluxo”. Eu chamaria por outro nome – engajamento.
“Peraí, disse engajamento?”, você deve estar pensando. Essa não é uma das palavras mais cobiçadas de um mundo em que as marcas enfrentam cada vez mais concorrência? É ela mesma.
Parece que os jogos já resolveram há muito tempo a questão de engajamento do consumidor, tanto que os advergames já são realidade há muito tempo. Ou então, marcas anunciando dentro de jogos, como Fifa.
Se os jogos geram engajamento, ao invés de levarmos nossas marcas do mundo real para dentro dos jogos, por que não trazer o jogo para o mundo real em que estão nossas marcas? Essa é a pergunta que muitos norte-americanos estão se fazendo, alimentando uma tendência chamada “gamificação”. Um dos poucos nomes referência nesse assunto é Gabe Zichermann.
Segundo palestra ministrada por ele no TedX em Bruxelas, “70% das aplicações das 2 mil maiores empresas do mundo serão gamificadas até 2015″. A Gartner prevê que 50% dos seus processos de inovação serão também eles gamificados.
A palavra me foi apresentada em uma agradável conversa com o amigo Israel Necaxe – gamificação. O que é um processo gamificado, afinal? Levar para rotinas comuns do dia a dia os conceitos de games, como recompensas por ações, diversos níveis a serem explorados (tome como exemplo os badges do Foursquare), colaboração, ranking board e muitos outros.
Por outro lado, adesão a games é algo muito fácil à natureza humana, uma vez que eles permitem várias chances de vencer em um mundo em que tudo é possível e, principalmente, começar de novo. Algo que não é possível, mas desejado, na “first life“.
Os games atuam no cerne da teoria de Maslow. As duas grandes molas que movem o ser humano são o medo e o prazer. A punição por não ter feito, prática comum em empresas de todos os tipos, trabalha no campo da punição. A recompensa por ter feito, no universo gamificado.
A gamificação não atua no “fun” puro e simples, mas no aumento de prazer e engajamento em tarefas cotidianas, aqueles serviços naturalmente chatos e de difícil adoção. O universo dos games baseados em puramente em diversão é apenas o início de tudo isso. A gamificação irá invadir o mundo inclusive de quem diz coisas do tipo “não tenho paciência para jogos. Isso é coisa de criança ou de quem não tem o que fazer”. Não se engane, você também será gamificado em pouco tempo.
O fato de termos uma geração que cresceu em meio à explosão de games entre as décadas de 70 e 80, a geração XY – o maior grupo etário do país, entre 20 e 40 anos hoje – altera de maneira significativa a estratégia das empresas que necessitam gerar engajamento de seu público-alvo. O processo de gamificação atua em um universo de prazer aprendido pelos jogos ao longo de décadas.
Professores têm usado processos gamificados de aprendizado em sala de aula para aumentar a atenção dos alunos – lembre-se que vivemos em uma época de crise de atenção, gerando menor recall de marca devido à quantidade abissal de estímulos.
Uma prefeitura tem utilizado técnicas de games em radares – carros que passam abaixo do limite de velocidade, em radares, participam de uma loteria custeada pelas multas dos carros que passam no radar acima da velocidade permitida.
Os antigos programas de fidelidade nada mais são do que uma gamificação prosaica, porém, não planejado como game e sem vários elementos que perfazem tal processo de maneira formal. É lógico que definir gamificação é algo razoavelmente complexo uma vez que ainda é uma nuvem intangível com alguns poucos resultados práticos – muito positivos, contudo. No Brasil é assunto de alguns poucos blogs, mas já mostra sua força em iniciativas pelo mundo.
Agora que entendemos o conceito macro do que é a gamificação, imagine trabalhar tal tema com o que vivemos hoje nas redes sociais. Juntarmos pontos em radares e mostrarmos nosso ranking no Facebook ou ganharmos um badge de “chef” porque compramos três vezes no mês um molho de tomate.
Um mundo em que o MMORPG será a nossa própria vida em rede. Micropagamentos, assim como alguém que compra uma vaquinha roxa no Colheita Feliz, transformarão o que é mercado social – luta pela reputação pelo ranking em um processo gamificado, juntando pontos e dinheiro (como um ranking de um anúncio de Adwords) – em mercado econômico, dinheiro vivo no caixa das empresas gerando uma experiência positiva e engajada do público-alvo.
FONTE: IT WEB