Autor: Ricardo Devai
Já não se fazem mais jogos como antigamente. Pelo menos não no mundo corporativo. Isso é o que eu tenho visto e até recomendado atualmente. Os treinamentos de colaboradores que utilizam metodologias tradicionais – com os clássicos “caderno, apostila e Power Point” – vêm se mostrando cada vez menos efetivos. O grande problema é serem previsíveis. As pessoas sabem que receberão um conteúdo, farão um exercício e depois serão testados para ver se realmente aprenderam. De certa forma, se a pessoa acompanhar o fluxo da situação, ela vai ter sucesso, mesmo sem necessariamente ter refletido e aprendido verdadeiramente o conteúdo. Por isso, muitas empresas estão adotando práticas baseadas na gamificação para realizar treinamentos corporativos com maior eficiência entre seus funcionários.
Mas mais do que criar dinâmicas divertidas, é preciso pensar no jogo como uma forma de construir um ambiente, no qual o aluno precise tomar decisões e tenha a possibilidade de errar sem gerar nenhum transtorno. A gamificação busca dar elementos de jogos às ações do cotidiano, como juntar pontos por realizar tarefas ou “passar de nível” ao atingir uma meta. Algumas empresas têm investido nesta prática dentro de seus treinamentos, criando jogos de tabuleiros para incentivar o profissional a conhecer melhor sua área ou games on-line que ajudam a memorizar determinadas informações.
Pesquisas anteriores demonstravam que jogos não necessariamente produziam melhores resultados que um treinamento convencional. Isso provavelmente porque o jogo visto apenas como uma forma divertida de aprender acaba pendendo muito mais para o lado lúdico do que para o pedagógico. Na tentativa de tornar este aprendizado mais atrativo, diversas empresas tentam ou tentavam “maquiar” seus treinamentos, transformando simples questionários em batalhas épicas, mas que na verdade não passa de um teste de múltipla escolha.
O poder dos jogos no universo corporativo é semelhante ao que acontece no mundo das crianças. Elas precisam das brincadeiras para aprenderem, sem isso causar grandes consequências. Elas experimentam o novo para depois colocar em prática na vida real. No treinamento de funcionários deve acontecer a mesma coisa: é criada uma situação que o colaborador precisa resolver, mas dentro de um ambiente no qual suas tentativas não produzam uma consequência negativa. Esse é o jogo sendo levado a sério.
Mais conhecidos como “serious game”, ou “jogo sério”, este conceito trabalha os jogos como ferramentas de aprendizagem, mas criando estruturas complexas que exigem que o profissional reflita sobre suas escolhas e lide com suas consequências. O primeiro serious game foi produzido na década de 80 pela desenvolvedora de videogames Atari. O Army Battezone tinha como objetivo treinar militares em situações de batalha. Hoje existe até mesmo um Instituto na Inglaterra dedicado ao estudo desta metodologia, o Serious Game Institute, financiado pelo fundo de desenvolvimento europeu.
Os serious games podem apresentar diversos formatos, mas sempre privilegiando o conhecimento do colaborador. Uma atividade muito interessante é o julgamento, nela cada funcionário adquire um papel e precisa desempenhá-lo com total conhecimento do assunto proposto. Existe o advogado de defesa, promotor, juiz, etc, e cada um precisa defender seu ponto de vista. Este é jogo complexo, que exige dedicação e até mesmo um estudo extra por parte dos envolvidos. Imitando a vida real, os funcionários vivenciam a experiência e fixam o conteúdo proposto com muito mais facilidade. Mais do que decorar, ele está participando de um raciocínio que o levará a entender todas as informações.
Uma das principais queixas dos empresários é que seus funcionários não possuem uma visão macro do seu negócio. Infelizmente boa parte dos colaboradores preocupa-se apenas em resolver aquilo que está mais próximo, perdendo a oportunidade de apresentar um comportamento proativo. Com a utilização dos serious games, estes profissionais são levados a analisar situações da sua rotina de trabalho de outros ângulos, experimentam desfechos diferentes aos que estão acostumados e passam a conhecer as diversas possibilidades com as quais podem desempenhar sua função. Antigamente a principal caraterística de um jogo no treinamento era o entretenimento, hoje é o nível de aprendizagem que ele proporciona.
Jogos mexem com a competitividade do ser humano. Este é um aspecto natural que pouquíssimas pessoas não possuem. As pessoas querem vencer os adversários e a si mesmas, evoluindo para etapas mais avançadas. Como na vida, os jogos também ficaram mais complexos ao longo do tempo. Essa semelhança reflete a trajetória de vida das pessoas, tornando a experiência muito mais rica e interessante.
Os jogos lidam o tempo todo com o argumento da incerteza. Essa é uma caraterística que o deixa muito mais estimulante, pois muitas vezes nossa rotina é monótona e precisamos de uma válvula de escape. Isso explica o gosto que muitos adultos desenvolvem pelos videogames. Mas, apesar de desempenharmos quase sempre as mesmas atividades, a vida sempre reserva surpresas.
O ambiente de trabalho muitas vezes é volátil, incerto, complexo e ambíguo. Em inglês, chamamos isso de cenário Vuca. Os jogos precisam refletir estes aspectos da vida para que os funcionários saibam como reagir nestes momentos. Precisa ser volátil, pois as coisas a nossa volta mudam muito rápido; precisa ser incerto, pois não existem padrões definitivos; complexo, pois o volume de informações com que precisamos lidar diariamente é gigantesco; e ambíguo, pois não existe mais padrões definidos, ou o velho “preto no branco”. Lidando com essas adversidades em um cenário controlado de um jogo, o colaborador aprende como deve agir quando a situação se tornar real. Nestes casos, a peça chave da gamification é desenvolver um jogo, no qual seja possível reunir diversas variáveis.
FONTE: CIO UOL